Desapego como prática de Yoga - Vairagya

 

 Existem vários fatores que podem ser desenvolvidos para facilitar o progresso no caminho da Yoga. Um deles, a regularidade (abhyasa), já foi abordado no artigo anterior. Agora, vamos a outro ponto chave que é a prática do desapego (vairagya).

No sutra 12 do capítulo I do Yoga Sutras, Patanjali diz:

“As alterações mentais são contidas pela prática (abhyasa) e desapego (vairagya).” (YS, 12.I)

 
Assim, não adianta apenas praticar com regularidade. É necessário o desapego. Podemos praticar por anos sem ver um resultado, porque não observamos o desapego. A meditação só é realmente possível quando a mente se vê livre do apego.

Na perspectiva da Yoga, o que vem ser, então, esse tal do desapego?

Patanjali, novamente, nos diz:

“A consciência de autodomínio na pessoa que está livre do exagerado desejo dos objetos que viu ou de que ouviu falar é desapego.” (YS, 15.I)

Em outras palavras, o desapego é a prática de manter a mente equânime diante de situações que normalmente nos atraem. A nossa mente tem uma atração natural pelas coisas que chegam a ela através dos órgãos dos sentidos. Vemos ou ouvimos alguma coisa e, se a mente gosta, vem aí o tal do apego. A mente se apropria do objeto e, quando se vê longe dele, sofre. Mas não devemos sair pegando tudo o que vemos por aí com a mente. Pode ser até gostoso, mas não é bom para o desenvolvimento espiritual. Então, é necessário usar o discernimento.

A finalidade última da prática de Yoga é elevar a consciência do indivíduo para que possa, enfim, conseguir meditar. Mas, como se sabe, é muito difícil meditar. Por quê? Porque a mente não está acostumada a se ver livre de todos os objetos que é apegada. Essa é grande Lila, o grande jogo, aonde numa batalha constante tentamos ensinar à mente o caminho de volta para casa, longe dos estímulos externos.
É difícil meditar por causa do imenso apego que temos a uma infinidade de coisas. Apegamos-nos ao nosso nome, personalidade, familiares, relacionamentos, dinheiro, profissão,  ideais, objetos, a tudo o que é transiente e agrada ao nosso ego.  Esses diversos apegos causam ondulações mentais (pensamentos) que dificultam estágios mais profundos de meditação.

É comum comparar a nossa mente com um lago. Quando o lago está com a água parada, é possível enxergar o seu fundo e observar a natureza da mente. Quando o lago está com a água em movimento, com muitas ondulações, tudo fica turvo e não conseguimos enxergar o que está por detrás de tudo isso. Basicamente, o que fazemos, é um constante jogar pedras nesse lago da mente, deixando-a sempre agitada e turva. Em média, um ser humano tem 70.000 pensamentos por dia. É muita pedra!
Quando temos apego, é como jogar uma pedra bem grande. Ficará ainda mais turvo o lago da mente, sendo muito difícil acalmá-la e ingressar num estágio de meditação. Do que adianta praticar meditação por anos e anos se logo após vamos correndo em direção às coisas que o nosso ego se apega? Isso não resultará numa prática muito satisfatória. No máximo trará alguma calma na hora em que tentou meditar, mas depois volta tudo de novo.

Todo crescimento exige transformação. E precisamos dar espaço para que essa transformação ocorra. Assim, temos que nos livrar de velhos apegos para que possamos crescer. Temos que nos livrar de todos os desejos de ganho pessoal para enfim alcançar a verdadeira meditação.

Todos os nossos desejos pessoais nos aprisionam no ego e causam inquietação. As Escrituras Védicas dizem que até o desejo de liberdade é escravidão: mokshabhsko bandhaha. Mas, então, como manter a mente livre de desejos?

É improvável que isso aconteça. Se temos que ter desejos, então, podemos redirecioná-los para fins mais elevados que a satisfação de nosso ego. Que eles possam ser sem motivação pessoal, visando o bem estar de todos.

É comum confundir desapego com indiferença. Mas indiferença é o oposto do desapego. Indiferença é retração da mente, um egoísmo que cria uma barreira entre o indivíduo e o mundo. Desapego é expansão da mente e dá espaço ao altruísmo, que lhe permite verdadeiramente se conectar com o mundo ao servir os próximos sem a barreira do ego.

Outra questão comum é: se não devemos nos apegar a nada nesse mundo, como ser feliz? A vida não se torna um tédio? Claro que não. A partir do desapego, podemos viver num nível muito mais intenso. Não há mais o medo de que a situação se vá.  Podemos apreciar um belo por do sol, sem sofrer com a idéia que talvez não consigamos ver outro por do sol tão bonito. Ao praticar o desapego, nós ficamos intensamente no presente. Não queremos que aquela situação se prolongue eternamente e, assim, nos tornamos livres.

Porém, não é tão simples praticar o desapego. Essa é uma virtude que leva tempo para ser desenvolvida. Sri Ramakrishna nos ensina que é impossível exercitar o desapego sem uma disciplina espiritual. É necessário recolher-se em solidão esporadicamente para desenvolver esse desapego. Seja um ano, 6 meses, 3 meses ou um final de semana. E nem que isso seja possível, recolha-se por 30 minutos por dia, já é algo.

O mundo é muito forte para tentarmos o desapego. Precisamos de prática espiritual e de algumas experiências espirituais que nos tragam lampejos da real liberdade. Esses lampejos podem vir numa forma de paz nunca antes experimentada ou insights. Ao experimentar esses lampejos, naturalmente nos desapegamos das coisas transitórias do mundo que nos distraem da essência. Vamos deixando para trás tudo aquilo que não é nosso, para ficar apenas com o Presente. Enfim, livres.  

Hari Om Tat Sat

Henrique Saad: no caminho da Yoga desde 2005, dá aulas e retiros na Chácara Anahata, em São Roque -  www.chakraanahata.org


Livros utilizados como base para quem quiser se aprofundar:

Meditation and Spiritual Life - Swami Yatiswarananda - Ramakrishna Advaita Ashrama

Complete Works of Swami Vivekananda -  Ramakrishna Advaita Ashrama

Os Sutras do Yoga de Patanjali - Sri Swami Satchidananda

Gospel of Sri Ramakrishna
 

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