Sempre ouvimos falar de casos de lugares onde nada dá certo ou onde ninguém é feliz e de outros onde tudo prospera. Já viu um ponto comercial que vive mudando de dono e atividade freqüentemente? Por que isto acontece? O Vastu Shastra tem a resposta. Confira nas páginas seguintes.
Fernando Dias
Arquiteto & Urbanista
Assim como o Feng Shui da China, o Vastu Shastra indiano nos dá a técnica de como harmonizar o ambiente, influenciando nossas vidas e indica a harmonia que se deve ter entre os elementos fora e dentro do corpo, no ambiente de residência ou de trabalho.
"Uma casa adequadamente desenhada e agradável será a morada da boa saúde, riqueza, inteligência, boa progênie, paz e felicidade e redimirá seu dono de débitos e obrigações. Negligenciar os cânones da Arquitetura resultará em viagens desnecessárias, mal nome, perda da fama, lamentações e desapontamentos. Todas as casas, vilas, comunidades e cidades, portanto, deverão ser construídas de acordo com o Vastu Shastra. Trazido à luz em favor do universo inteiro, esse conhecimento é para a satisfação, melhoria e bem-estar generalizado de todos."
Origem:
Conta o Matsya Purana que certa vez o Senhor Shiva estava lutando arduamente com um demônio chamado Andhakasura, numa guerra que durou vários anos. Durante a guerra, Shiva começou a suar profusamente. Uma gota de seu suor caiu de seu rosto e transformou-se num enorme e voraz fantasma de aparência terrível. Como estava com muita fome, ele começou a devorar a todos, inclusive o corpo morto de Andhakasura no final da batalha.
Não satisfeito, entretanto, ele fez penitências e pediu a Shiva a bênção de poder devorar os três mundos. Satisfeito com suas austeridades, Shiva concedeu-lhe a bênção e todos os semideuses ficaram horrorizados. Temerosos, eles capturaram-no, jogaram-no sobre a terra com o rosto para o chão e puseram-se em cima dele, cada um sobre uma parte de seu corpo, de modo que ele ficasse preso assim para sempre.
Pesaroso, ele perguntou-lhes como haveria de satisfazer sua fome e outras necessidades naquela condição. Tendo compaixão dele, os semideuses concederam-lhe a bênção de receber oferendas das pessoas que o adorassem no momento de começar qualquer construção, na ocasião da ocupação da edificação e em quaisquer ocasiões similares em que se usasse o solo. Eles também deram-lhe o poder de atormentar quem quer que construísse algo sem antes adorá-lo ou contra sua vontade, torturando seu corpo.
O Senhor Brahma deu-lhe o nome de Vastu Purusha e desde então tornou-se praxe todos os que usam a terra primeiramente adorá-lo e satisfazê-lo para obterem êxito em suas construções e moradias.
![]() O Vastu Purusha, com a cabeça a Nordeste (direção mais importante) e os pés a Sudeste, dentro da Vastu Mandala, um quadrado subdividido em 81 partes (9´9) ou 64 (8´8). Sobre esses quadrados 45 semideuses estão dispostos (alguns ocupam mais de um quadrado), cada um controlando uma parte de seu corpo. |
Assim, a escritura Vastu Shastra apresenta os princípios para se construir de modo a não desagradar o Vastu Purusha e a sempre ganhar seu favor.
Explica-se a importância desse conhecimento da seguinte maneira:
"Uma casa adequadamente desenhada e agradável será a morada da boa saúde, riqueza, inteligência, boa progênie, paz e felicidade e redimirá seu dono de débitos e obrigações. Negligenciar os cânones da Arquitetura resultará em viagens desnecessárias, mal nome, perda da fama, lamentações e desapontamentos. Todas as casas, vilas, comunidades e cidades, portanto, deverão ser construídas de acordo com o Vastu Shastra. Trazido à luz em favor do universo inteiro, esse conhecimento é para a satisfação, melhoria e bem-estar generalizado de todos."
Para cada tópico os Vedas apresentam diversas explicações em diferentes níveis, desde a mais metafísica até a mais "palpável". No entanto, todas são autênticas, possibilitando que todos os tipos de pessoas compreendam a verdade de acordo com o nível de entendimento que tenham.
Em outro nível, portanto, podemos dizer que nosso corpo, o ambiente construído e a natureza de modo geral (prakriti) são constituídos pelos mesmo cinco elementos básicos (panchabhutas). Há uma relação sutil entre os elementos de fora e de dentro do corpo e os do lugar de residência e trabalho.
Entendendo a influência dessas cinco forças naturais podemos melhorar nossas condições de vida, projetando adequadamente nossas edificações ou pelo menos ajustando e modificando certos hábitos, objetos ou ambientes noa lugar casa onde já vivemos. Como qualquer forma fixa, os edifícios (sejam casas ou prédios) criam uma concentração ou dispersão de energias cósmicas e tectônicas (do interior da terra), as quais podem ser benéficas ou danosas para seus ocupantes, dependendo da forma, proporção, orientação em relação aos pontos cardeais e localização das aberturas (portas e janelas).
As escrituras védicas revelam um conhecimento exato e profundo da manipulação desses campos energéticos num nível desejado e o Vastu Shastra contém a essência desse conhecimento. Com ele pode-se locar uma obra de tal maneira que absorva o benefício máximo dos elementos da Terra, bem como dos campos magnéticos que a circundam.
Os cinco elementos, ou panchabhutas, com seus correspondentes na linguagem moderna são:
- Akasha – espaço ou vácuo,
- Vayu – ar ou elementos gasosos,
- Agni – fogo ou energia (luz, calor, radiações, etc.),
- Jala – água ou líquidos, e
- Bhumi – terra ou sólidos.
Vayu – ar Movimento |
Akasha – éter Atividades Espirituais e Intelectuais |
Jala – água Repouso Tranquilidade |
Agni – fogo Energia Temperatura Calor |
![]() ![]() O talam, medida padrão da casa |
- Cada semideus rege um diferente aspecto da vida, por isto é importante dispor os ambientes da casa de acordo com a localização de cada um deles, para evitar conflitos (ver tabela a seguir).
Noroeste – Vayu, Escritório Loja Sala de estar |
Norte – Kuvera, o tesoureiro dos semideuses Lugar para guardar valores Sala de estar |
Nordeste – Esha, auspiciosidade Lugar para adoração Sala de estudo Quarto para crianças |
Oeste – Varuna, Sala de jantar Quarto |
Centro – Brahma‚ o maior dos semideuses Espaço aberto para a entrada de luz e ventilação |
Leste – Surya, Sala de Estar Banheiro |
Sudoeste – Nirutti, Quarto Depósito para coisas pesadas |
Sul – Yamaraja, Quarto Despensa |
Sudeste – Agni, a controladora do fogo Cozinha Medidores de eletricidade |
- É essencial que todas as paredes (inclusive os limites do terreno) estejam alinhadas com os eixos Norte-Sul e Leste-Oeste verdadeiros (e não magnéticos) da Terra, admitindo-se uma tolerância de 10 graus. Paredes curvas ou em outras direções só devem ser usadas com muito conhecimento de onde e como. Logo, a forma ideal para o terreno e a casa é o quadrado ou o retângulo. Isto assegurará o fluxo das energias com um mínimo de interferências. Se o terreno for irregular, a recomendação é ajustá-lo, somando ou subtraindo áreas. Isto não necessariamente significa pobreza arquitetônica. Na cultura védica não existe uma separação rígida como a nossa entre os vários departamentos do conhecimento e da vida. Arquitetura, escultura, pintura, decoração, bem como espiritualidade, música, dança, culinária, os aromas, as vestimentas, etc, é o conjunto integrado que produz beleza e harmonia a nada é visto separadamente. O arquiteto védico fazia muito mais do que simplesmente desenhar e construir.
- Dentro do terreno, a edificação deve estar mais a Oeste que a Leste e mais ao Sul que ao Norte, de modo que sempre haja mais espaço livre a Norte e Leste (veja figura). Além disso, deve haver mais e maiores aberturas a Norte e Leste. Assim pode-se aproveitar melhor as boas energias que vêm destas direções, como os saudáveis raios ultra-violeta (que vêm do Leste), que são anti-sépticos e purificam o ambiente.
- Seguindo este raciocínio, deve-se proteger o Sul e o Oeste, de onde vêm influências negativas, como os raios infra-vermelhos do Sol da tarde (do Oeste), diminuindo-se as aberturas e usando vegetação mais alta e densa nessas direções.
- O telhado deve ter caimento para Leste ou Norte e o terreno, para Leste, Norte ou Nordeste, pois a água sempre deve escorrer para uma dessas direções. O telhado pode ser simétrico, mas nunca irregular.
- Água subterrânea (como poços e cisternas) deve estar a Nordeste, mas sem cruzar a diagonal do terreno (veja figura acima). O encanamento também deve vir dessa direção. Isto faz com que a água absorva os raios ultra-violeta e fique mais protegida dos infra-vermelhos. Se não puder fazer isto, é bom pelo menos expor água de beber ao Sol da manhã por algum tempo (em uma garrafa de vidro fechada, por exemplo).
Defeitos básicos devem ser corrigidos, especialmente a Nordeste e Sudeste, mas não se deve corrigir apressadamente e sim contar com a orientação de pessoas bem versadas e de experiência no campo.
Muitos dos princípios do Vastu Shastra podem ser facilmente encontrados em qualquer construção harmônica ao redor do mundo, como as pirâmides do Egito, as pirâmides astecas ou o templo do Sol em Konark, na Índia, bem como em muitas tradições populares.
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Podemos dizer que o Vastu Shastra é uma das necessidades para se viver bem. Se todos os outros fatores forem iguais, a correta aplicação do Vastu Shastra facilitará a prosperidade, o sucesso e a felicidade. Sempre ouvimos falar de casos de lugares onde nada dá certo ou onde ninguém é feliz e de outros onde tudo prospera. Isto se deve à aplicação ou não (mesmo que inconsciente) de princípios que o Vastu Shastra explica detalhadamente.