
Já faz tempo que a meditação saiu dos templos e passou a aparecer em consultórios no tratamento de ansiedade, depressão e pânico, entre outros problemas. Praticante de meditação há mais de 20 anos, o psicólogo Leonardo Mascaro, 38, resolveu ir mais longe. Além de usar a prática oriental em sua clínica, passou a medir os estados de consciência por meio de um aparelho chamado "mind mirror" --um tipo de um eletroencefalograma que permite estabelecer uma relação entre o padrão de ondas cerebrais do paciente e seu estado mental.
Mestre em neurociências pela Universidade de São Paulo, Mascaro acredita que esse recurso tecnológico potencializa os efeitos benéficos da meditação, além de ajudar a desenvolver outros treinos mentais. A idéia é que cada paciente trabalhe áreas cerebrais pouco utilizadas, produzindo ligações até então inativas de neurônios, melhorando a memória, a concentração e a velocidade de raciocínio.
Qual é a diferença do "mind mirror" em relação a outros eletroencefalogramas?
Leonardo Mascaro - O propósito é diferente. O interesse é estudar os estados de meditação. O que esse aparelho faz é uma análise digital do espectro de ondas que a pessoa produz no cérebro. Existem quatro tipos fundamentais de ondas, e ele separa essas ondas e apresenta isso de uma forma que indica qual estado de consciência o paciente está produzindo.
Quais são os quatro tipos de ondas?
Mascaro - Beta, que é o seu consciente, sua mente racional. Alfa é a onda que durante muito tempo foi a meta dos meditadores transcendentais. Se dizia que era preciso entrar em alfa, mas entrar em alfa não leva a lugar nenhum, porque é um estado de profundo relaxamento, mas que não traz o significado e a profundidade que a pessoa busca quando procura a meditação. Isso é feito pelas ondas teta e delta. Teta é o repositório do seu subconsciente, e delta é o radar, a percepção. A relação entre essas ondas, quando a pessoa medita, é que determina o nível de consciência que ela vai alcançar.
Como se dá essa relação?
Mascaro - São canais que se abrem. O alfa, na verdade, faz a ponte entre o consciente, que é beta, e o subconsciente, que é teta. Então, quando você começa a entender a relação entre essas coisas, você tem meditações específicas para trabalhar cada um desses estados. Existe uma configuração específica do cérebro que os mestres produzem quando meditam. Esse é o estado que leva aos insights, à alta performance cerebral. Depois descobriu-se que é possível trazer esse estado de meditação para a vida, ou seja, é possível viver em meditação.
O que as pessoas têm buscado com a meditação?
Mascaro - As pessoas buscam resolver problemas como ansiedade, depressão, pânico. Estudando o nível de relaxamento e o tipo de onda que é produzida no cérebro, existe um mecanismo neurofisiológico que leva a pessoa a lidar com cada um desses problemas. A pessoa aprende a trabalhar essas ondas e a entrar no estado que deseja, na hora que deseja. Essa é a verdadeira maestria.
Um cientista estudou as meditações para desenvolver o aparelho?
Mascaro - Foram alguns. O cientista britânico Maxwell Cade foi o principal. Ele era professor de psicobiologia na Universidade de Londres, no início da década de 70, quando a descoberta da meditação pelo mundo ocidental estava começando. Começaram a realizar exames de eletroencefalograma em iogues e monges para ver o que eles produziam. Só que aquilo não era adequado para acompanhar a variação em tempo real. Com esse aparelho novo, é possível ver em tempo real o que a pessoa está produzindo, e ele apresenta isso muito claramente.
Normalmente, as pessoas produzem que tipo de onda cerebral no dia-a-dia?
Mascaro - No dia-a-dia, elas produzem muito beta, bem menos alfa e teta e, dependendo do histórico e da relação com a vida, muito ou pouco delta. Em terapia, eu uso o aparelho para fazer treino de onda cerebral, que é um pouco diferente da meditação. Com o aparelho, eu vejo o que a pessoa está produzindo e a conduzo.
Como funciona exatamente esse trabalho?
Mascaro - Sou psicólogo, o objetivo do meu trabalho é terapêutico.Tenho quase 15 anos de consultório e, ao longo desses anos, venho desenvolvendo uma técnica de ativação de áreas do cérebro. Os dados clínicos são extensos e mostram que você aprende por meio da concentração a recrutar áreas específicas do cérebro. Tem um estudo feito por uma cientista na França com mais de 5.000 pessoas que demonstrou que o envelhecimento cerebral está ligado também a uma diminuição da atividade do cérebro. Havia um índice grande de depressão biológica associada a idade, problemas de ansiedade e concentração e mesmo Parkinson e Alzheimer. Ela começou a estudar isso e viu que, quando o cérebro é treinado, é possível ver áreas dele voltando a acender. Quando o paciente começa a trabalhar determinadas questões, essas áreas vão acendendo e ficam acesas. Ou seja, muda a relação da pessoa com a vida e com ela mesma.
Fonte: Folha