DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE PARA O BEM VIVER: ÉTICA, TANTRA YOGA E ESPIRITUALIDADE

Priscila Abreu de Carvalho

 Psicóloga, Mestre em Psicologia clínica e docente em cursos superiores. Formada em Hata Yoga e Tantra Yoga.

 

Resumo: As mudanças rápidas e constantes na contemporaneidade, não somente exigem adaptações nas aprendizagens que são feitas pelas pessoas, mas também causam reflexões sobre os valores morais e éticos que regem as sociedades. Como consequências de tamanhas transformações, são visíveis, avanços tecnológicos que aumentam a qualidade de vida e a longevidade dos grupos humanos, mas também sobrecarregam nosso sistema nervoso central, trazendo desequilíbrios físicos, mentais, psicológicos e espirituais.  O presente artigo, propõem portanto, uma breve reflexão teórica sobre como a humanidade poderia se preparar para viver de maneira mais sustentável, organizada, feliz, preservando suas relações com cada ente vivo e o planeta, a partir de alguns princípios éticos herdados de tradições tântricas e Yoguicas. Assim, os conceitos de consciência, autoconsciência, reflexão, ética, Tantra, Yoga, Yamas e Niyamas, foram apresentados como possíveis facilitadores de um estilo de vida gerador de bem estar e felicidade e quiçá, de prevenção de doenças e transtornos que geram um mal estar coletivo.

 

Palavras-chave: ética, tantra yoga, espiritualidade, bem estar e felicidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Introdução:

 

            Todos querem viver bem. Todos desejam ter suas necessidades satisfeitas e se alegram se percebem que o mundo em que vivem é um mundo em que todos obtém tudo aquilo que precisam. Segundo Dalai-Lama (2001, p.13): “ [...] o próprio objetivo da vida é perseguir a felicidade. [...] o próprio movimento da nossa vida é no sentido da felicidade.”

            As afirmações acima podem parecer óbvias, mas sabe-se que muitos dirão que são utópicas, pois convivemos em níveis sociais com injustiças das mais diversas ordens e naturezas, com carências que trazem mal estar e infelicidade a muitas pessoas, com mecanismos inconscientes e sabotadores em níveis pessoais e individuais, com transtornos mentais e perdas materiais, afetivas, profissionais, dentre outras.

            Será, portanto, possível, encontrarmos bem estar e felicidade em nossas vidas? Para o Lama budista, a resposta é sim, pois, a felicidade pode ser alcançada através do “treinamento da mente” ( 2001, p.13), que por ele é definida de forma mais ampla, como não somente a capacidade intelectual, mas também os sentimentos e o espírito, que podem ser transformados através de atitudes em guias para a felicidade. Afirma ainda, que tais atitudes devem priorizar o bem estar de um todo, ou seja, as pessoas devem agir para proporcionarem a si mesmas e aos outros tal sensação.

            No entanto, criar e manter uma cultura que seja resultante de atitudes pró-sociais têm sido um desafio. O Guru indiano AnandaMúrti (2008), afirmou que vivemos em um mundo de mudanças fantásticas, movidas por uma evolução tecnológica visível que disponibiliza uma gama de informações muito importantes para a  nossa compreensão da vida cotidiana. Desta maneira, nossas mentes são estimuladas pela “era dourada da ciência” que ocasiona uma sobrecarrega em nosso sistema nervoso e criam uma vida baseada na correria, na pressa, no estresse. A conseqüência destas tensões e pressões psicológicas e ambientais é a desintegração da personalidade, que se encontra calcada no ego condicionado por valores não essenciais e na ausência de consciência, autoconsciência, reflexão e ética.

            Ligados a esta desintegração estão, para o Guru, os condicionamentos, advindos das mais variadas fontes a que somos todos submetidos. Estes geram neuroses e psicoses, pois limitam a existência humana a padrões nem sempre funcionais, por serem incapazes de criar uma identidade saudável e consciente.

            Além desta sobrecarga, outro fator bastante crítico causador de preocupações extras neste século, envolve a manutenção da vida humana na terra de forma sustentável. Segundo Goleman (2014), vivemos um momento crítico, em que o colapso dos sistemas com os quais interagimos é eminente, especialmente aqueles ligados a nossa sobrevivência e a sobrevivência do planeta. Assim sendo, vivemos em busca de conforto, segurança e resultados que nos beneficiem em curto prazo e deixamos de enxergar os efeitos que nossas ações causam nestes sistemas. Afirma o autor que: “ [...] Nós parecemos curiosamente incapazes de perceber uma forma que nos leve a prevenir as conseqüências adversas dos sistemas humanos[...]” (p.138).

            Além das explicações neurológicas para tais dificuldades em projetar o futuro, o ser humano carece de uma visão que o permita perceber que suas ações resultam em acontecimentos que muitas vezes estão distantes destas pessoas em termos de tempo e espaço, mas que possivelmente se voltarão a elas em um futuro próximo.

            Uma das explicações para o afastamento dos indivíduos da natureza e da percepção empobrecida de suas relações com os sistemas que garantem sua vida e a satisfação de suas necessidades se deve, segundo o filósofo Bornheim (2002),  a evolução científica que cindiu a noção unitária e de certa forma sagrada com que os fenômenos naturais eram tratados em períodos pré-científicos. Desta maneira, a noção de que somos um corpo feito da mesma essência que todos os outros seres e objetos naturais, foi substituída pela idéia de que temos e possuímos este corpo, assim como possuímos todas as demais coisas existentes no universo. Manipular, portanto, os fenômenos naturais e transformar suas manifestações em objetos que por nossa capacidade intelectual podemos e devemos decifrar, retirou toda a aura sagrada que os envolvia.

            Tal dessacralização parece, portanto, ter minimizado a importância e a compreensão das redes que permitem ao ser humano viver uma vida saudável e satisfatória, pois valores que envolviam o ser ético parecem estar um tanto quanto relativizados e como conseqüência, trazem prejuízos que nem sempre são mensuráveis e remediáveis.

            Por estas razões, apesar de desejarmos e buscarmos constantemente o bem estar e a felicidade, nota-se que o estilo de vida que temos levado é bastante improdutivo diante desta meta e em contrapartida, as pessoas parecem cada vez menos felizes e sadias. Dados da Organização mundial de saúde – OMS (apud MACHADO, 2012), apontam que no Brasil, depressões, transtornos de ansiedade e estresse, uso de drogas, como álcool e medicamentos são as maiores causas de afastamento das pessoas no trabalho. Mundialmente, sabe-se que se nada for feito em termos de prevenção, em 2020, a depressão será 2ª maior causa de incapacitação no planeta e em 2030, o mal mais prevalente no mundo.

            Tais dados estatísticos também sugerem que tanto homens como mulheres estão submetidos a estes males e que a partir dos 30 anos de idade os sintomas tendem a se acentuar. Muitos dos sintomas, se não tratados, podem, por sua vez, trazerem prejuízos ao longo da vida destes indivíduos.

            Pode-se dizer que as pessoas na contemporaneidade encontram um grande desafio pela frente e este envolve a busca e escolha de estratégias e valores que sustentem e assegurem, diante de tantas mudanças, um estilo de vida que lhes seja adequado e capaz de atender suas necessidades com felicidade e bem estar.

            Diante de tal desafio, o presente artigo envolve uma breve reflexão teórica sobre como a humanidade poderia se preparar para viver de maneira mais sustentável, organizada, feliz, preservando suas relações com cada ente vivo e o planeta de forma mais integralizada, a partir de alguns princípios éticos herdados de tradições tântricas e Yoguicas.

 

Ética

 

            Nos tempos atuais, é comum ouvirmos e nos queixarmos, só para darmos alguns exemplos, de que determinado político agiu de forma antiética, de que certa professora foi preconceituosa, de que aquele pastor foi desonesto, que meu vizinho foi negligente, de que a minha cidade está violenta... enfim, de que o mundo está de cabeça para baixo e que a vida seria melhor se as pessoas fossem mais respeitosas e éticas.

            A mídia escrita, televisiva e virtual reproduz diariamente notícias e programas que nos fazem crer que a espera no ponto de ônibus, fatalmente nos fará ser assaltados, que as pessoas são muito más, pois uma idosa foi maltratada por seus familiares, de que meu colega de trabalho é meu concorrente desleal, pois me fará perder o emprego caso possa me roubar um cliente, dentre outras crenças, que minam esperanças de fazermos parte de um mundo mais digno e justo.

            É possível crer que tais notícias sejam verídicas, mas de certa forma, parecem reforçar crenças e paradigmas bastante perniciosos sobre a natureza humana e sobre aquilo que a humanidade pode vir a ser.

            Um exemplo de tal contágio negativista foi apontado pelo psicólogo norte americano Martin Seligman. Ele diz que para cada 15.000 artigos científicos publicados sobre a mente humana e seus comportamentos, apenas um trata de um aspecto positivo ( Press, 2007).

            Desta forma, as crenças que possuímos determinam os valores que escolhemos priorizar. Rodrigues, Assman e Jablonski (2009) definem valor, como um conjunto de princípios transituacionais que envolvem valoração e julgamento e se organizam hierarquicamente. Assim sendo, diante da leitura feita em uma dada situação e dos julgamentos e crenças construídas nesta observação, são escolhidos quais os valores serão aplicados através de um comportamento ali. Os valores, portanto, adjetivam as ações e dependem de uma avaliação humana, que é influenciada pela maneira como o sujeito significa a realidade.

            Desta forma, em uma sociedade em que o pessimismo e a descrença são marcantes, quais seriam as condutas adotadas por seus membros? Da mesma forma, em uma sociedade em que a esperança e o otimismo imperam, quais seriam os comportamentos adotados pelos seus membros?

            A ética envolve, princípios regulativos das condutas consideradas corretas e incorretas e  dependem de critérios e valores que definam hierarquicamente as prioridades da sociedade a que visa regulamentar. Por esta razão, encontrar um ponto de referencia ética envolve avaliar os valores pessoais e coletivos deste sistema.

            Segundo Pegoraro (2002), a ética envolve tanto a coletividade (intersubjetividade) como a subjetividade (individualidade) e depende basicamente de reflexão entre estas duas instâncias, já que o ser humano, diferentemente do animal, age de forma intencional, responde pelo o que faz, sendo um agente moral.

            O autor afirma, que tal faculdade moral, faz do ser humano alguém capaz de determinar a qualidade de sua vida (boa ou ruim) e construir seu destino.

            Sendo assim, primeiramente, ética não é um código de normas, mas é uma concepção de vida, um estilo, um modo de existir, que enquadram, a medida que escolhemos, nossos comportamentos e atitudes.

            Guerreiro (1995), sobre a escolha, afirma que para vivermos a partir de uma ética válida, é preciso pensar no que “devemos ou não devemos fazer” à luz do que não só nos beneficia, mas daquilo que beneficia a um coletivo. Mas, porque faríamos isso, se o mundo anda tão complicado e vivermos só para nós mesmo já é uma tarefa tão árdua? Porque pensar no outro, se ele não parece se importar comigo?

            Talvez a resposta resida na idéia já apontada acima de que tal, ética se faz necessária, pois vivemos em um sistema que faz com que tudo e o todo de nosso planeta e existência esteja interligado.

            O físico Frijot Capra (2006, p. 37) diz que: “Na medida em que nos retiramos para nossas mentes, esquecemos como ‘pensar’ com nossos corpos, de que modo usá-los, como agentes de conhecimento. Assim fazendo, também nos desligamos de nosso ambiente natural e esquecemos como comungar e cooperar com sua rica variedade de organismos vivos”. A lógica que nos faz pensar em um corpo separado de uma mente e de seu espírito é a mesma que nos faz pensar que somos separados de cada outra estrutura animada ou inanimada presente neste universo. É a mesma lógica que nos faz pensar que o que aflige ao outro não pode me atingir e que os problemas do meu bairro, comunidade, cidade, país ou planeta não podem entrar, caso eu deixe a porta de casa fechada.

            Ao se perceber o absurdo deste pensamento, é possível conceber e aceitar os princípios de reciprocidade positiva, ou seja: fazer pelo outro o que eu creio que o outro deveria fazer por mim, ou da reciprocidade negativa, ou seja, não fazer pelo o outro o que não gostaria que fizessem para mim. Isto seria entendido como ética mínima, porém essencial e afetiva, diz Guerreiro (1995).

 

 

Autoconsciência e Reflexão

 

            A reflexão, aspecto fundamental para o desenvolvimento de uma ética, depende segundo Goleman (2014), de autoconsciência e esta por sua vez se faz possível por autorrevelação.

            A reflexão pode ser definida como meditar; pensar, expressar-se ou fazer uma revelação, incidir; ter efeitos sobre, tomar consciência (Dicionário on line).  Tal percepção exige em primeiro lugar, uma metacognição, ou seja, a consciência sobre a consciência, a clareza diante do que precisamos saber para refletir, dos mecanismos que nos fazem pensar, de como as conclusões são construídas, de quais são nossos objetivos, de quais os valores e crenças estão implícitas neste processo, dentre outros aspectos.

            Goleman (2014), diz que a metacognição, ou o pensar sobre o pensar, permite que reconheçamos como nossas operações mentais funcionam e nos permitem regular não somente nossos pensamentos, mas também nossas emoções e impulsos. Desta maneira, pode-se autorregular e autocontrolar os comportamentos, que levam inevitavelmente a uma resignificação de nossas crenças e valores, pois como afirma o Guru AnandaMúrti (2007, p. 157): “Pensamento é a subjetivação da objetividade externa; ou seja, a criação de um objeto externo dentro de sua placa mental, tornando-se parte de sua existência interior”. Aquilo que se torna parte de sua existência interna pode ser incorporada ao seu fluxo mental e pode ser manifestado tanto teoricamente quanto na prática.

            Tornar-se consciente e capaz de reflexão profunda que ocasione mudanças de vida, não é uma tarefa fácil, ainda mais quando as ações e respostas que damos diante dos eventos já são automatizados e incorporados ao nosso dia-a-dia pela cultura, que nos faz por vezes ignorar a importância destas percepções.

            A partir do momento que se reconhece que a escolha moral é algo imperativo na vida humana, a reflexão é o caminho mais indicado para a definição daquelas escolhas que parecem ser mais adequadas, sem ser acometido por procedimentos negligentes de atenção.

            O poder deste mecanismo, envolve uma capacidade de escolha responsável, que liga-se diretamente a uma ética de vida, que segundo AnandaMúrti (2008, p.52) é capaz de equilibrar a justaposição de dois aspectos fundamentais da existência humana. Este paradoxo reside na idéia de que : “[...] os seres humanos erroneamente tentam satisfazer seus anseios espirituais infinitos por meio físicos e mentais ilimitados; em segundo lugar, porque nos sentimos em desarmonia como nossa natureza quando praticamos atos contrários ao fluxo natural da evolução da consciência”.

            Segundo o Guru, ações morais geram harmonia e expansão mental, harmonia social, cooperação entre as pessoas e criam progresso social e coletivo, enquanto ações imorais causam tensão, estreiteza mental, exploração, desconfiança e destroem a teia social que levaria a sociedade a se desenvolver.

            Tais ações morais são fruto de reflexão e podem ou não estar em coerência com um viver ético, pois somos limitados em nossa capacidade de análise e é preciso desenvolvê-la o tanto quanto possível. Para AnandaMúrti (2008, p.54): “ O processo intelectual é limitado, primeiramente, em função da informação disponível- ninguém possui conhecimento perfeito dos fatos- e em segundo lugar, o ego está inseparavelmente conectado com o intelecto- o ego define seus valores de acordo com sua própria vivência e faz julgamentos com base nesses parâmetros.”

            Portanto, seria possível disponibilizar informações mais abrangentes às pessoas a fim de que suas reflexões sejam mais amplas? Quais as conseqüências das informações e da forma com que estas são divulgadas na sociedade atual? Como explorar a ideação da construção de  uma sociedade mais harmônica  a partir de ações morais e princípios éticos entre as pessoas? É possível considerar que tais preceitos éticos e morais melhorariam o bem estar e felicidade das pessoas? E como as filosofias do Tantra e do Yoga se relacionam com estas metas?

 

Yoga e Tantra

 

            Anderson e Sovik (2013, p. 14), afirmam que na tradição do Yoga, os seres humanos são entendidos como cidadãos que precisam aprender a conviver em dois mundos: o mundo interior, que é compreendido por nossos pensamentos, emoções, sensações e um mundo exterior, que envolve o ambiente de relações e sistemas com os quais interagimos. Assim: “Nosso sucesso como seres humanos depende da nossa habilidade para viver em ambos os mundos. Para alcançar essa conquista, precisamos de um método que nos ajude a desenvolver a autoconsciência, e, ao mesmo tempo, mostrar como podemos criar harmonia em nosso relacionamento com o mundo exterior”.

            Tal afirmação pode colocar o Yoga como um sistema ético e uma filosofia de vida que contribua para a construção do equilíbrio entre informações difundidas na realidade externa e na ideação interna e intencionalidade que visem o bem estar geral das pessoas e dos sistemas?

            A fim de responder esta questão, Anderson e Sovik (2013),  afirmam que no centro do Yoga reside a mensagem de que cada ser humano, é, por natureza “equilibrado e completo” e que através de uma prática sistematizada, a mente se torna liberta e esta interioridade perfeita pode se fazer percebida pelas pessoas e conseqüentemente trazer paz, relaxamento e equilíbrio diante das adversidades.

            O termo Yoga, que é derivado de sua raiz verbal Yuj, do sânscrito que significa juntar, unir, traz, portanto, a idéia de que é possível uma união gradual a algo superior, essencial, universal, mais profundo e mais divino. Algo que se revela através de uma consciência mais pura e de uma prática diária não somente de posturas, mantras, respirações e meditações, como comumente é conhecida no Ocidente, mas especialmente através de uma abordagem ética, que será tratada a seguir (ANDERSON; SOVIK, 2013 e ANADAMÚRTI, 2008).

            O Yoga tem sido praticado na Índia há mais de 40 séculos e foi codificado pelo sábio Patanjali há cerca de somente dois mil anos.  Considera-se, portanto que um dos ramos mais antigos do Yoga e ao mesmo tempo completamente atual, pois cobre vários aspectos do desenvolvimento de pessoas e sociedades, seja o Tantra.

            O Tantra, segundo AnandaMúrti (2008, p. 11), um mestre Tântrico que de forma prática ensinou esta filosofia na Índia até 1990, reforçava que o Tantra significa a “prática para nos libertar da obscuridade” . Seu foco envolve permitir que o ser humano encontre o máximo de seu potencial, através da crença básica de que tudo neste universo e existência surgem da mesma Consciência, que adquire aqui um caráter espiritual e transcendente, que em termos científicos vêm sendo explicado na física por conceitos quânticos. 

            Os conceitos atuais da física quântica mostram que nossa percepção da realidade é bastante limitada. Isso acontece, pois percebemos o mundo através de cinco sentidos e estes são capazes de dar conta de apenas uma parcela dos sons, cores, formas, texturas, sabores, odores existentes. Existe por sua vez, um mundo de partículas subatômicas que se movem em velocidades altíssimas que criam vibrações sensíveis, porém sutis e não captadas pelos sentidos que atuam em níveis mentais, a partir de ondas.  A percepção desta realidade exigiria, portanto, que nos sintonizássemos a esta sutil freqüência através da mudança de padrões vibracionais da mente, que no nas tradições do Tantra Yoga, são obtidos pela meditação (ANANDAMÚRTI, 2008).

            Quanto mais distantes o ser humano está de sutilizar sua freqüência vibracional, mas preso a condicionamentos e ao mundo físico, material ele está e, portanto, mais sujeito a reagir a todos os estímulos ambientais a que é submetido. Portanto, como dito anteriormente, é notório que tais estímulos têm trazido uma série de indisposições nas pessoas, ao criarem uma série de situações que aqui de forma genérica serão chamadas de causadoras de mal estar, ou seja, causadoras de diversos tipos de desequilíbrios e adoecimentos em níveis físicos, emocionais, psíquicos e espirituais.

            Assim sendo, os benefícios freqüentemente alardeados da prática do Yoga: calma, redução de ansiedade, melhora no humor, alívio de dores, aumento de flexibilidade e tônus muscular, aumento de concentração e equilíbrio emocional, dentre outros, são conseqüências da libertação e redirecionamento das energias mentais para objetos mais puros e menos condicionados pela realidade externa, pois como diz Swami Jñaneshvara Bharati (s/d): “ A intenção do Yoga é focar no espiritual. Através de uma orientação autêntica do Yoga, muitos frutos virão, incluindo benefícios físicos”.

             Afirmam ainda Anderson e Sovik (2013, p. 20), que à medida que nossa consciência se aprofunda por meio das práticas de Yoga, “[...] adquirimos uma visão mais clara e precisa de nós mesmos e de nossa relação com o mundo, agindo de acordo com ela”.

            Daí surge a idéia de que a escolha por princípios éticos e morais que sejam norteados por valores profundos e universais ajudem a sutilizar a mente e aproximar as pessoas de uma experiência mais autentica consigo e mais empática com os outros e em contrapartida, que a prática do Tantra Yoga leve ao mesmo tempo a uma vivência ética despertada por estados mentais mais apropriados a essência humana, ou a sua meta, como disse Dalai-Lama, que é a felicidade.

 

 

Yamas e Niyamas

 

            Segundo AnandaMúrti (2008),  é importante reforçar que as pessoas utilizam uma ferramenta falível, porém fundamental, diante da aplicação de valores éticos e morais, o seu próprio intelecto, que é limitado tanto em função das informações a que tem acesso, como pelo próprio ego, que define valores e comportamentos a partir de suas experiências de vida, crenças, condicionamentos.

            Assim, as pessoas, devem no Tantra Yoga, buscar um discernimento perfeito, uma intuição baseada em sua autoconsciência, consciência e reflexão constantes, que permitem o desenvolvimento de Viveka. Tal conceito sugere uma qualidade da mente que está além do intelecto e promove um entendimento das ações que praticamos de modo a conduzi-las a benevolência.

            Para o Guru, tais princípios, devem, para serem aplicáveis, se adaptarem as situações cotidianas e se ajustarem a “relatividade de tempo, lugar e pessoa”, se constituindo em uma prática dinâmica, porém sólida no direcionamento dos pensamentos e ações (ANANDAMÚRTI, 2008, p.54).

            Há inúmeros livros e referências no Yoga e Tantra que tratam destes princípios. Foi escolhido aqui como fonte, o livro: A liberação da Mente através do Tantra Yoga (2008) e abaixo serão apresentados os princípios éticos que neste artigo se propõem a oferecer uma alternativa concreta de conduta humana, com vistas à promoção de maior bem estar individual e coletivo nesta era de tamanhas carências e insatisfações. São organizados em duas categorias e nomeados de Yamas e Nyamas.

            Yama, significa “controle” e enfatizam nossas responsabilidades para com os outros seres, com a sociedade e o mundo objetivo. Niyama, por sua vez, significa autocontrole e nos indica como preservar o equilíbrio mental e harmonia pessoal. Cada um deles é dividido em cinco partes que se complementam.

            Os componentes de Yama, são chamados de: Ahimsa, Satya, Asteya, Brahmacarya e Aparigraha e as partes que compõem o Niyama, são: Shaoca, Tapah, Svadhyaya e Iishvara Pranidhana. Estes serão brevemente descritos a seguir.

            O primeiro Yama, Ahimsa, apesar de popularmente entendido como um conceito que prega a não violência, não se resume de forma simplificada a esta idéia, já que envolve o bom senso na defesa própria ou de pessoas que se encontram diante de situações de dominação, humilhação ou brutalização. Ahimsa envolve, portanto, a condução de ações e pensamentos de uma maneira que não causem dor física ou psíquica a outros seres e que causem o mínimo possível de danos, já que estes são muitas vezes inevitáveis. Seu objetivo é a responsabilização de cada indivíduo diante do impacto causado por sua existência e visa a harmonia de cada indivíduo consigo mesmo e com os demais.

            Satya, envolve uma prática simples, porém bastante exigente, pois sugere que  palavras e pensamentos sejam usados somente de modo benevolente, inspirando o indivíduo que a pratica a pensar, falar e se expressar de forma honesta, direta mas gentil, assertiva e amorosa. Asteya, por sua vez, é um conceito comum em códigos religiosos e legais no Ocidente e relaciona-se ao ato de não apropriar-se daquilo que por direito pertence a outros indivíduos, bem como entende que formas de desperdício ou promoção de privação são faltas deste princípio.

            Brahmacarya, por sua vez, é muitas vezes interpretado como castidade, mas seu objetivo e significado envolve a evitação do hedonismo de forma descontrolada e a qualquer custo. Envolve principalmente a idéia ou mentalidade de que a nossa energia vital, pensamentos e ações devem ser aplicadas de maneira consciente e focadas em um sentimento profundo de ligação com algo mais profundo e sistêmico, com a idéia de unicidade e de integração entre todos os seres e todo o universo. Assim, sugere que se fizermos o bem, seremos plenamente satisfeitos.

            O quinto Yama, Aparigraha, pode ser definido como um princípio voltado para o equilíbrio ambiental e psicológico. Significa não se prender aquilo que é supérfluo, como bens materiais, ao nosso padrão de vida, a experiências cotidianas, dentre outras, buscando eliminar o apego a coisas que nos distraem e nos fazem priorizar o não essencial, que se liga tanto a nossa essência e ao nosso aspecto mais puro e autentico, como a uma consciência suprema e criadora. Envolve, portanto, eliminar excessos e viver plenamente com aquilo que se tem e se faz útil para nós, sem definirmos nossas necessidades a partir de valores materiais e supérfluos ao nosso desenvolvimento.

            Tais princípios quando vividos podem, segundo a filosofia do Tantra e do Yoga, aumentar nossas virtudes, como nosso senso de respeito, compaixão, integridade, paciência, tolerância, dentre outros valores, fundamentais para o bem viver em sociedade.

            Os Niymas, por sua vez, promovem harmonia conosco mesmos e o primeiro deles, demonstra um aspecto bastante prático e útil desta harmonização. Shaoca, significa manter a  limpeza do corpo, da mente e do nosso ambiente.  Sugere que é tão importante quanto nossa higiene com nossas roupas, casa, jardim, ruas, cidades, é a limpeza de impressões mentais que nos levam ao negativismo. O enfoque yogue em Shaoca se refere a remover dos problemas suas causas, redirecionando suas tendências mentais de forma mais positiva, saudável e equilibrada, removendo aquilo que turva  e suja o que deve estar claro e límpido.

            O segundo Niyama, Santosa, significa manifestar contentamento com tudo o que for recebido, mesmo com aquilo que não é desejado, pois tudo é reflexo de nosso estado interno e de nossa relação com os recursos do universo.  Envolve a manutenção de nosso equilíbrio em quaisquer circunstâncias, sociais e pessoais e a escolha responsável de padrões mentais livres de tensões, complexos e desconfianças. Já Tapah, tem sido por vezes, entendido como sacrifício e ligado aos exemplos de vida de mártires e líderes abnegados. Consiste, no entanto, em buscar o alívio do sofrimento de todos os seres e entes através do uso do esforço pessoal com bom senso e solidariedade. Envolve ser um instrumento do bem no mundo a partir de uma ação que se ajuste as necessidades daquele que é assistido e a busca o bem estar maior acima de necessidades individuais e egoístas.

            Svadhyaya, significa estudar e compreender, apropriadamente, as escrituras, os livros filosóficos e temas que levam a compreensão e vivência da espiritualidade. Relaciona-se ao envolvimento em situações de aprendizagem que levem a evitação de dogmas, fanatismos e promovam entendimento profundo e consciência de suas escolhas espirituais. Associado a este tópico, o quinto Niyama, Iishvara Pranidhana , envolve o conceito experiencial de fé, pois refere-se a ter firme fé em Iishvara (Controlador Cósmico), seja em situações tanto de prazer, como de dor, de prosperidade ou adversidade, e se ver, em quaisquer atividades da vida, como um instrumento que constrói com tantos outros integrados o progresso deste mundo.

            Percebe-se assim, que tais preceitos são embasados não em uma doutrina religiosa ou em normas legais, mas são conceitos, se aceitos e praticados capazes de revelar novos significados a valores que norteiam como vivemos conosco e com os outros.

            Ao pensarmos estes conceitos exercitados em nossas vivências cotidianas, quantos seriam os benefícios que poderíamos colher e quais os impactos em nossos estados internos, como impulsos, sentimentos, pensamentos?

 

 

 

 

 

 

                                                                                                 

Considerações Finais

 

            Sem pretensão de esgotar o tema, os preceitos éticos do Tantra Yoga, neste texto, foram apresentados como possíveis facilitadores de um estilo de vida gerador de bem estar e felicidade e quiçá, de prevenção do mal estar das pessoas na contemporaneidade.

            Pensarmos em uma sociedade que se permita a virtude da consciência aplicada ao cotidiano, em especial a existência pessoal de cada um e ao impacto desta no todo, não parece somente um desafio, mas principalmente um desejo.

            No Tantra Yoga, tais valores éticos são pressupostos, que há milênios, sustentam e ensinam que o bem estar de um indivíduo só se sustenta se este se expandir como um patrimônio de toda uma sociedade e uma resposta da humanidade a graça de sua criação.

            Desta forma, convido a reflexão da afirmação de que: “[...] à medida que começamos a identificar os fatores que levam a uma vida mais feliz, estaremos aprendendo como a busca da felicidade oferece não só benefícios ao indivíduo, mas á família e também a sociedade como um todo” (DALAI-LAMA, 2001, p.19).

            Quem sabe com o conhecimento destes princípios e com sua prática, possamos viver e deixarmos para os nossos descentes valores que sustentem crenças que façam com que todos vivam bem, tenham suas necessidades satisfeitas e se alegrem ao perceberem que o mundo em que vivem é um mundo em que todos obtém tudo aquilo que precisam.

 

REFERENCIAS:

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PRESS, Mauro. A era de talentos. Rio de Janeiro. Qualitymark, 2007.

RODRIGES, Aroldo; ASSMAR, Eveline Maria Leal; JABLONSKI, Bernardo. Psicologia Social. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

 

 

*Artigo apresentado com parte da conclusão do curso de Formação em Tantra Yoga do Instituto Visão Futuro. Porangaba, S.P. Março de 2015.


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