Assim, tornando-se estável no asana e tendo o controle (do corpo), tendo uma dieta equilibrada; pranayama deve ser praticado com as instruções de um guru. - Hatha Yoga Pradipika, 2.1
Pranayama é considerado uma das práticas mais importantes e difíceis dentro do Hatha Yoga. Embora de uma aparência simples, detêm um grande poder de transformação e elevação, que exige que o praticante esteja puro e preparado para receber seu impacto.
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Erroneamente traduzido como "controle do prana", a energia vital, na verdade sua tradução literal é"expansão do prana", já que é formado pelas palavras prana e ayama. Prana é a força ou poder universal que é infinito, invisível, indivisível e onisciente. Permeia todas as coisas e é igualmente o sustentáculo de tudo o que é consciente ou inconsciente. Ayama por sua vez significa "não restringir", onde yama significa "restringir" e o prefixo "a" é sua negação. Assim, o pranayama visa expandir o nível de energia vital no interior do praticante através de técnicas específicas, onde o principal enfoque é o controle da respiração.
Esse controle da respiração ou expansão do nível do prana utiliza quatro aspectos do processo respiratório. São eles:
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Puraka ("encher"): a fase de inalação;
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Rechaka ("esvaziar"): a fase de exalação;
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Antara Kumbhaka ("retenção interna"): fase da retenção da respiração com os pulmões cheios;
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Bahya Kumbhaka ("retenção externa"): fase da suspensão da respiração com os pulmões vazios.
Todas as técnicas de pranayama utilizam de diversas maneiras esses quatro estágios da respiração, sendo que o ponto mais elevado e igualmente o mais importante é o momento de Kumbhaka ou "retenção", expecialmente quando este acontece espontaneamente, sem intervenção direta ou consciente do praticante. Esse estágio elevado é conhecido como Kevala, "isolado", pois acontece em algum momento da inalação ou exalação, quando a mente do praticante mergulha totalmente em sua contemplação interior, seja através da prática da meditação estática ou de alguma outra técnica. Neste momento, uma grande sensação de bem-estar surge do interior, e cresce uma identificação cada vez maior com a Testemunha interior.
Contudo, para se alcançar o sucesso na prática do Kumbhaka, induzido ou espontâneo, deve haver um progresso gradual e comedido nas fases de puraka e rechaka, purificando e desintoxicando o organismo, ao mesmo tempo que fortalecendo seus pulmões e diafragma, para que na ausência da respiração a mente não se abale e o organismo não crie desarmonia, desenvolvendo assim, estabilidade mental e física.
O CORPO DE PRANA
De acordo com os antigos tratados do Yoga, o ser humano é composto de vários níveis ou corpos, que mantém relação direta e estreita com as várias dimensões e aspectos da existência humana. Uma classificação bem comum "cataloga" cinco corpos ou invólucros, conhecidos como koshas, que auxiliam no desenvolvimento e atuação da alma individual durante sua existência no universo condicionado (seja encarnada ou não):
- Anna-maya-kosha: o invólucro (kosha) feito de (maya*) alimentos (anna). É o corpo físico;
- Prano-maya-kosha: o invólucro (kosha) feito de (maya*) energia vital (prana);
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Mano-maya-kosha: o invólucro (kosha) feito de (maya*) fluxo mental/emocional (manas);
- Vijñana-maya-kosha: o invólucro (kosha) feito de (maya*) intuição (vijñana);
- Ananda-maya-kosha: o invólucro (kosha) feito de (maya*) beatitude (ananda).
*Observação: aqui o termo mayanão tem o mesmo significado utilizado por algumas escolas de filosofia indiana no sentido de "falsidade ou ilusão", mas se refere a"feito de", denotando instrumentalidade.
Embora estes invólucros trabalhem em conjunto como uma complexa unidade, as técnicas de pranayma atuam principalmente e diretamente sobre Prano-maya-kosha, já que seu principal componente é o prana. Neste corpo sutil o prana se subdivide em dez formas diferentes de acordo com sua função, sendo cinco principais e as outras cinco secundárias.
A - Prana-vayu: "ar vital principal":
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Prana(de pra, "antes, na frente" + ana, "alento"): neste contexto não se refere ao prana universal mas apenas à uma parte do corpo sutil. Regula todos os processos de absorção através da respiração, digestão e impressões sensoriais. Seu "assento" é o coração e o tronco. Seu movimento é centrípeto. Sua função é a assimilação;
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Apana (de apa, "para fora" + ana, "alento"): associa-se à região abaixo do abdômen, como ânus e genitais. Seu movimento é descendente. Sua função é a expulsão e eliminação;
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Udana (de ud, "para cima" + ana, "alento"): associa-se à área da garganta e pescoço. Seu movimento é ascendente. Governa o crescimento do corpo, a capacidade de ficar em pé e de falar;
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Samana (de sama, "igual" + ana, "alento"): associa-se à região do plexo solar, entre prana e apana. Seu movimento é circular, da periferia para o centro. Auxilia no processo de digestão;
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Vyana (de vi, "parte" + ana, "alento"): associa-se com o tronco e os membros, movimentando-se do centro para a periferia. Controla a circulação.
O corpo pranico e seus "ventos". As cores seguem orientação do livro de Svami Shivananda, "Kundalini Yoga". |
B - Upa-vayu: "ar vital secundário":
- Naga ("serpente"): causa o salivar e o soluçar;
- Kurma ("tartaruga"): causa o abrir e piscar de olhos;
- Krikara (kri, "fazer" + kara, "causa"): causa o espirro, a tosse e o sentir fome;
- Devadatta (deva, "deuses" + datta, "presente"): causa o bocejo e induz ao sono;
- Dhananjaya (dhanam, "riquezas" + jaya, "conquistador"): produz a expectoração e auxilia no processo de putrefação do corpo após a morte.
A RESPIRAÇÃO E O YOGI
O ponto mais importante a ser tomado em consideração pelo yogi é a relação direta que há entre a respiração e a mente. Sabe-se que quando a mente está agitada, com raiva, medo ou ansiedade, a respiração é rápida, curta e superficial. Similarmente, quando a mente está calma, serena ou concentrada, a respiração é lenta, ritmada e profunda. Assim, entendendo a grande dificuldade que existe em acalmar a mente para a meditação e contemplação, os yogis tomaram como auxilio a própria característica que a natureza nos deu, desenvolvendo técnicas que visam acalmar a respiração para que a mente seja igualmente acalmada.
O ser humano é formado por hábitos. Na nossa sociedade moderna e "civilizada", todos os nossos sentidos estão ininterruptamente sendo agitados e perturbados. Somos constantemente bombardeados por informações, cheiros, gostos, cores, barulhos, etc., e um dos efeitos provocados é a liberação constante de adrenalina em nossa corrente sanguínea. Essa liberação provoca um sentimento de "querer mais", de "ir além", dando uma suposta sensação de força e aptidão. Na verdade, estamos constantemente ativando uma antiga reação conhecida por "luta ou fuga", que é uma característica herdada ao longo da evolução humana em que servia (e serve) nos momentos onde a única solução era correr do perigo ou lutar contra ele, se caracterizando pelo aumento dos batimentos cardíacos e da taxa respiratória. A idéia de simplesmente mudar esse comportamento pode parecer fácil, mas o problema é que estamos habituados e ele, quimicamente viciados e fisicamente dependentes. Qual a solução? Usar a inteligência e criar um novo hábito, caminhando da maneira inversa, saindo do efeito para chegar na causa. E como fazemos isso? Através das técnicas de respiração ensinadas pelo Hatha Yoga.
A primeira característica importante destas técnicas de respiração reside no fato de trazermos uma nova consciência a esse processo "involuntário" que é respirar. Ao fazermos isso, começamos a quebrar um ciclo vicioso que reside em nós praticamente desde o momento em que nascemos (e levamos um tapinha do médico) e passamos a neutralizar os efeitos nefastos do "lutar ou fugir", "humanizando o ser humano". Nesse momento, a respiração torna-se mais lenta e profunda, e por processo reflexo, a mente torna-se igualmente calma e centrada, favorescendo o processo de concentração e meditação. E é somente numa mente calma e centrada que os processos mais elevados da meditação podem ocorrer. Ao nos habituarmos à essa prática, os estados mais calmos e sublimes da mente podem ser alcançados em qualquer momento ou atividade do dia.
A segunda característica importante é que no momento em que trazemos consciência à respiração, desenvolvemos uma habilidade que é altamente elogiada e recomendada nas escrituras do Yoga que é shakti-bhava, a "atitude de Testemunha", ou a habilidade de nos desintentificarmos com nossa personalidade transitória e impermanente e nos identificarmos com nossa natureza divina eterna e imultável.
A terceira característica importante é a profunda purificação que ocorre em nosso sistema físico e sutil. No corpo físico os benefícios são inúmeros, como o fortalecimento dos pulmões e a consequente retirada de muco ali acumulado; os batimentos cardíacos diminuem, diminuindo assim seu esforço e aumentando sua longevidade; o cérebro recebe sangue mais limpo; todo o sistema endócrino é fortalecido; a digestão e evacuação são melhoradas pelo trabalho do diafragma; etc. No nível sutil os vayutornam-se equilibrados; a mente fica serena; a concentração melhora; a mente fica mais perceptível às influências do Ser Interior; a meditação acontece mais facilmente; etc.
A quarta característica importante é o desbloqueio dos canais sutis importantes para o despertar e desenvolvimento da energia Kundalinifavorescendo assim, o alcance da realização espiritual mais elevada.
AS TÉCNICAS DE PRANAYAMA
Numa visão superficial pode parecer que Pranayama significa alguma certa prática de respiração que visa expandir a energia vital dentro do praticante favorescendo assim sua saúde, longevidade e percepção espiritual. Na verdade, o verdadeiro pranayama é kumbhaka, a parada voluntária ou involuntária da respiração. Veja o que Patanjaliensina:
"Uma vez que a postura perfeita tenha sido alcançada, o controle da força oculta e do movimento irregular da inalação e exalação é chamado de pranayama, que conduz à ausência de ambos, e é o quarto dos oito membros.Este pranayama tem os três aspectos de exalação (rechaka), inalação (puraka) e retenção ou suspensão (kumbhaka). Estes são regulados pelo lugar, tempo e número, onde a respiração torna-se mais lenta e sutil. O quarto pranayama é a fase que ultrapassa os três anteriores que operam nos níveis externo e interno. Por meio deste pranayama o véu provocado pela ilusão das experiências passadas que cobrem a iluminação interior é destruído. Através do processo do pranayama, que é o quarto dos oito membros, a mente torna-se apta para a verdadeira concentração, que é o sexto membro."(Yoga Sutra 2.49 - 53):
Note que Patanjali afirma que é no estado de completa ausência de respiração, que a retenção ou suspensão, que o mais elevado estado é alcançado. Todas as diversas técnicas de pranayama descritas nas escrituras (o Hatha Yoga Pradipika ensina oito) modificam apenas a forma de inalar (puraka) e exalar (rechaka), já que a retenção é apenas de dois tipos, com pulmões cheios ou vazios.
Há diversas formas de praticar os pranayama, sendo que a mais usual é, dentro das instruções dadas no Hatha Yoga Pradipika, praticá-los após uma prática de asanae imediatamente antes da prática da meditação. Os bandhase as mudraspodem ser utilizados em conjunto como uma forma de aumentar sua eficácia e benefícios.
ORIENTAÇÕES GERAIS PARA A PRÁTICA
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Sempre respire pelas narinas, a menos que seja explicitamente indicado que a respiração seja feita pela boca;
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A melhor hora para praticar é no início da manhã, enquanto o corpo e a mente estão serenos. Se isso não é possível, outra boa hora é no pôr do sol. À noite, faça pranayama mais tranquilos;
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Pratique num lugar silencioso, livre de insetos ou distrações. Evite também ventilador, ar-condicionado, incenso, ou luminosidade em excesso;
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Sente-se numa postura firme e confortável. O mais importante não é a posição das pernas, mas a coluna ereta e a cabeça firme, com o queixo paralelo ao chão;
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Faça as técnicas depois dos asana e antes de meditar;
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Use roupas confortáveis e leves;
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É muito melhor tomar um banho antes da prática. Caso isso não seja possível, lave ao menos as mãos, rosto e pés. Após a prática, espere pelo menos 1 hora para entrar no chuveiro;
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Espere sempre para praticar após a digestão dos alimentos, no mínimo três horas após uma refeição completa;
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Evite a ingestão de álcool, fumo ou carne de qualquer espécie. Evite também manter uma dieta extremamente leve, ou jejuns prolongados. Mantenha uma dieta equilibrada;
- Evite o esforço. Progrida suavemente, sempre de uma maneira calma e pausada;
- Não se assuste caso pequenos problemas passem a surgir durante o período de prática, como gripes, resfriados, dores de cabeça, enjôo, instabilidade emocional, prisão de ventre, falta de fome ou sono, etc. Estes são apenas efeitos da purificação que está acontecendo interiormente. Não desista!
- Não faça as práticas durante os períodos de doença, fome, irritabilidade ou sono. Espere que estas passem.
Fonte: Inspire Yoga